Vindo de outras eras,
Em sua intermitente vicissitude
O abutre (a ave da escravidão)
Em pleno Brasil XXI,
Ainda erra à miúde
E ainda faz da alma dos homens
ninho.
Pois quem é negro ainda sofre,
E ainda há muito que sofrer
Nessa terra ingrata e ínvia
Que ele mesmo ajudou a erguer,
O quanto é humilhante
Negro ainda nascer.
Eles mentem,
E relativizam
Dizendo que
Não há preconceito,
E nem o que temer.
Que as cotas acabaram
Com todos esses clichês,
Só que esse espectro maldito
Rondará a órbita da terra
Enquanto o homem aqui viver.
E se achares que não sei o que
digo,
Ou que sou um revoltado, um
maldito, mas,
Não precisas ir longe, nem ao
menos perito,
Pois, pra entender do que digo,
Ah meu irmão,
é muito simples eu explico:
Bastas apenas um dia, apenas um
dia,
Na pele da gente
Pra saber do motivo,
Que inda somos tratados
Como reles cativos.
Então lanço-vos um desafio:
Se quiseres saber
O que é negro ser,
Por um dia apenas,
Que vista a roupa da pele
dele
Para ter a exata certeza,
Que os outros desdenham
A nossa cor preta
E que nunca haverá
A justiça terrena.
Só assim entenderá...
A mulher ao lado, a bolsa
apertar,
A senhora no ônibus mudar de
lugar,
O PMs na blitz só te parar,
Quem vem na calçada parar de
andar
E quem vem lá no carro, o vidro
levantar,
Se você perto dele, algo for
perguntar...
Não se preocupe, pois já é suspeito,
Sem nem imaginar...
Só assim saberá,
Que este mundo que habitas e
reina,
Nunca deixará de te negar
A desgraça do mundo em que vive
E o inferno no qual esta, jamais
sairá.
Mas eu uma coisa vos digo,
Ah, essa verdade terei que falar:
Ou a humanidade falhou,
Ou o brado que o poeta à deus
enviou,
Ele sonso e sabido,
Fez que não escutou,
Quebrou o pau no ouvido
Se fazendo mercador!